quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Aos [contínuos] começos.

ao Konrad.

Parece tão comum
a nebulosa aurora,
respingada da noite, que
amanheço sem aparente
bom motivo; mas, lembro-me,
é dia festivo, de doce levada;
nova jornada regada a dizeres,
sorrisos, suaves prazeres.

Venho, cá, agradacer todo
esse apreço, carinho p'ra
lá de sincero, e espero,
haja vida além da idade; que
o nosso tempo seja a eternidade.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Grão.

O grão moído que tomo,
com água quente e algum pó
pasteurizado, bege-branco
fabricado em galpões
de grandes corporações, não
se parece bom, nem é, na verdade;
mas, a vontade nunca passa.

A moça que assa, no forno,
o pão, que pouco gosto
de queijo tem, se faz
de feliz, num exercício
de auto-controle, assim
como o termômetro automático
que não deixa queimar o salgado.

O farelo prensado em castanhas,
em barra, que engulo p'ra passar
o tempo, é melado e esmagado
pelo peso da mala preta
que também carrega pasta, escova,
guarda-chuva, caneta, caderno,
revista, camisa, cigarro, perfume.

A gravidade empurra o grão,
a água, o pó, o pão guela abaixo;
a corporação torna-me pó, suga-me
água, dá-me farelo, pastas, malas,
canetas, cadernos; proíbe revistas,
camisas, cigarros, perfumes;
transforma-me em grão.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Soul.

Sou jogador, quando jogo;
sou amante, quando amo;
sou juiz, quando julgo;
perco o juízo, quando bebo.

Sou fugitivo, quando fujo;
sou negativo, quando nego;
sou subversivo, quando penso;
sou alienado, quando me calo.

Sou falante, quando falo;
sou trabalhador, quando ralo;
sou funcional, quando funciono;
sou delator, quando menciono.

Sou professor, quando leciono;
sou cirúrgico, quando acerto;
sou positivo, quando aceito;
sou decisivo, quando decido.

Sou libido, quando tarado;
Sou bandido, quando tomado
pela fome-fúria da exacerbada
luxúria provocada por ti.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Ida.

Fui, foste, fomos;
Subiste, subi, subimos;
Entramos, entrei, entraste.

Suspirei, hesitaste, cortejamos;
Cumprimentaste, abracei, beijamos;
Sentamos, acomodaste, posicionei-me.

Experimentei, degustaste, devoramos;
Bebeste, me aproximei, apreciamos;
Chegou, conversamos, comemos.

Refletimos, citamos, jogamos
Palavras fora, divagamos;
Botamos fumaça p'ra fora.

É hora, que pena, saímos;
Descemos, caminhamos,
Partimos; levaste-me,
Pulei, fui.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Novas manhãs.

Estou vencido pelo cansaço. A batalha diária, de manhãs que demoram a ficar claras, ou que já amanhecem com o sol do semi-árido, dominou meu ser.

Não sinto mais as emoções que sentia. Mas também não sinto aquelas dores, e saudades.

Qualquer sentimento que me pegue desprevenido já é lucro! Ele que me pegue de surpresa, porque não tenho tempo mais para eles.

Por dois bons anos eles me agraciaram com sua melhor faceta. Mas os outros 20 e tantos foram puro sofrimento…

E agora me vejo aqui, centrado, num movimento objetivo e decidido a fazer valer. Mas cercado de solitude por todos os lados. Aquela velha mão não me atrai mais. Estou em busca de outro tipo de conexão.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

De tanto

pensar,

esqueci

de trabalhar.



terça-feira, 21 de setembro de 2010

Tinjo-finjo.

Dura mais o processo
que torna limpo o piso
do que o tempo em que
permanece intacta
essa parte; então,
se faz da sujeira
arte, estraga-se
a esterilização
da matéria, lisa;
gruda-se o excesso
através das solas dos sapatos,
faz-se o regresso de forma
contínua, constrói-se rotina.

O branco é um tom atraente
ao dano proposital, à ação
com dolo; dado que todos
os humanos são manchados
desde o início, toda alvidez
alheia deverá ser castigada;
da insensatez, se fará
uma teia de falsos
argumentos para que fique bem
claro que o escuro é mal,
que o transparente é legal,
que textura é banal e que
o desigual é consenso geral.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Aquilo que não fazemos aflorar à consciência aparece em nossas vidas como destino."

- Carl Gustav Jung

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Medo.

Não é de hoje que enveredo
p'ro lado do medo do trivial;
é atemporal, em minha existência,
a simpatia pela fuga esportiva;
nativa decadência, carência
de intrínseca fibra, falência
dos fundos de galhardas vibrações.

Tardias, propositais, narrativas
ineficientes desde o meio; constantes
sensações de ser alheio ao próprio
livre arbítrio; insuficientes
explicações a mim e ti; não vivi
e não quero, porque nunca escolhi
ser o melhor, nem o primeiro.

Rápido e rasteiro é o movimento;
medida que não confere qualquer menor
descontentamento geral por parte
de quem espera muito mais daquele
ou daquilo; e o que está a consumi-lo
também aniquila minha auto-estima,
faz rima com a derrota, fabrica anedota.

Tanta energia acumulada, de papel passado,
caminho traçado, é alimento às traças
da força motriz da reinvenção pessoal;
nada é mais moral do que parecer
normal, mas não há banalidade mais clara
do que a não rara infeliz idéia
de não se atirar até bem cedo no novo.

Não desaprovo o culto à reputação;
os ocultos prazeres são encobertos
por dizeres passíveis de múltipla
interpretação; algumas inadmissíveis,
outras com velado perdão; e o êxtase
por perder o chão confirma a tese:
só envelhece quem torna o seu tempo vão.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Vetores.

Em meio a linhas mesquinhas, vetores
menores, pavores normais aos comuns,
alguns minutos tornam-se uma vida desperdiçada
à margem da tela, enquanto a cera da vela
da alma é dilacerada pelo fogo soldando as idéias.

A sobra de toda esse processo faz o serviço;
esse enguiço na cabeça tem razão, poesia,
música, emoção e tradição vagabunda; miúdos
valores jogados pela janela; censurados,
controlados ruídos; um pós-moderno retrocesso.

O progresso pessoal é suado, carente de brilho
intelectual; de ponto em ponto, bar em bar,
as semanas perdem-se junto aos sinais, banais
cabelos nos travesseiros, seguros apoios
para duros tempos de reflexiva solidão.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Treze vezes três

fumamos, bebemos, transamos
rimos, choramos e superamos
bebemos, rimos e dormimos
choramos, confiamos e vencemos
confiamos, esquecemos e seguimos
chegamos, fumamos e esquecemos
acordamos, comemos e rimos
comemos, jogamos e bebemos
ligamos, tentamos e perdemos
vivemos, vencemos e continuamos
lutamos, cansamos e trabalhamos
mudamos, combinamos e pagamos
transamos, dormimos e acordamos

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Busca insólita.

Não sei se te busco
ou se deixo tudo
como está; arriscar
fundo, cair no mundo
é loucura, e se me frustro,
toda a ternura que me resta
entrará em extinção.

Será vão este brado
de falso amor; insana,
incerta paixão, mundana
sensação de velhos tempos;
urgente prioridade sem razão
de ser; apostar p'ra perder,
escrever p'ra não ter que ler.

Se, hoje, pareço forte,
é porque tive muita sorte
no percurso; perdi o norte,
por vezes, e lancei mão
de todo o recurso remanescente
dos dias de calmaria, de crescente
sensibilidade, afetividade, serenidade.

Cansa demais ter que amar todo dia;
empenhar carinho pelo que se faz
demanda atenção, aguçada
percepção; o doce sabor da decisão
acertada tem alto valor e curta
duração; não decidi se abuso
da chance de perder o bonde.

Quero correr e não sei
p'ra onde; espero te ver,
e não te incomodes se me sentires
longe de ti, mesmo que a um palmo
de distância; a inconstância nunca
deixou de ser minha marca registrada,
e nessa estrada não existe sinalização.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Pânico.

Estou espremido entre a luz
e a escuridão comum aos pobres
de espírito; auto-oprimido,
sou apenas mais um perdido
no visível mundo dos demais.

Sei que sou capaz de tudo;
o aprazível não é o bastante
quando o caminho restante
a ser percorrido é prejudicado
por um roteiro mal-traçado.

Maltrapilho da lógica, nu
de coerência tola, livro-me
de qualquer racionalidade
quando a verdade crua
é a incessante palpitação.

Nenhuma educação me ensinou,
tampouco qualquer tipo de lição
arcaica vai me fazer superar
todo esse vazio verbetes,
lembretes da minha inoperância.

Em meu peito, dói a insegurança
de parecer desesperado por um fio
de conforto moral; suado de medo,
ofegante, tonto, aterrorizado
pelo enorme pânico em minha mente.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Der Panther
(Rainer Maria Rilke)

Im Jardin des Plantes, Paris
Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden,dass er nichts mehr hält.
Ihm ist, als ob es tausend Stäbe gäbe
und hinter tausend Stäben keine Welt.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein grosser Wille steht.

Nur manchmal schiebt der Vorhang der Pupille
sich lautlos auf -. Dann geht ein Bild hinein,
geht durch der Glieder angespannte Stille -
und hört im Herzen auf zu sein.

domingo, 13 de junho de 2010

Culto/cultura.

Deus que me perdoe, mas esse desesperado
culto, inesperado truque,
muito pouca fé reserva
e quase nenhum amor preserva.

Não sou da contracultura,
mas também não sou contra
a sabedoria do que vale a pena,
do que abre a mente
para o que dia-a-dia sentes.

Não caias da cadeira,
apenas entendas a maneira
com que coloco a palavra
e não mudo o foco
do que desejo expor.

Não quero provocar furor;
apenas gostaria de firmar
que só consigo acreditar,
mesmo que a duras penas,
que somente a (pagã) cultura
pode transformar.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Ao amigo.

Grito, pois quero
ser ouvido por todos
no quarteirão em que moro;
quero entrar na tua mente,
fazer-te esquecer a canção
que dizia que não deves
exprimir o que sentes.

Só espero conseguir
ser verdadeiro contigo
o tempo todo; como amigo,
é meu dever; dedicar-me
é um imenso prazer
e só o que penso é lutar
para prevalecer o que é.

Se a maré não está boa,
naveguemos juntos
rumo ao porto, seguro
como sempre; é duro
o caminho à tranquilidade
de dias menos frios
e mais fraternos.

Se te escrevo
é pra manter intacto
nosso pacto eterno
de correspondência
e, por isso, conto
com a sua persistência
em fazer valer esse nó.

O objeto

Meu caro amigo, se não faço poemas

é menos por falta de vontade e mais de habilidade

me falta a maestria de buscar palavras

desde as mais simples às mais rebuscadas

que nunca me vêm à mente

quanto menos à ponta de meu lápis

se não publico escritos

é por falta do objeto

reforço que sempre carregarei comigo

o remorso de não escrever contigo